As redes sociais e os perigos
para a democracia
Nos últimos anos, as novas tecnologias
mudaram radicalmente a comunicação e o acesso à informação no mundo. Atualmente,
as redes sociais online são o principal meio de comunicação e de expressão pública:
quase todos os cidadãos se manifestam através delas, incluindo as mais
importantes figuras da democracia dos nossos dias.
Uma rápida consulta a sites
como o statista.com
permite verificar que a maior parte dos adultos em muitos países afirma
informar-se no seu quotidiano através destes novos
media (gráfico
1)
e que os media online se tornaram o principal palco para discussões e
interações políticas e sociais. Além disso, por exemplo, verifica-se
que, de 2017 a 2022, aumentou de 28 para 81, o número de países que usam os
meios de comunicação social para divulgar propaganda e desinformação política (gráfico
2).
Urge, por isso, colocar
uma questão fundamental: será que o conteúdo a que acedemos através das redes
sociais e pelo qual nos guiamos é totalmente
fiável?
A verdade é que cerca de 65% dos
utilizadores das redes sociais (in statista.com) revelam que não consideram estes meios
completamente fidedignos e está provado que o principal perigo das redes
sociais é a quantidade de informação duvidosa que acaba por desinformar a sociedade.
E a questão seguinte é:
quando e como começaram as redes sociais a integrar-se
e a
ter tanto impacto na democracia?
A comunicação é
um processo intrínseco nos seres humanos desde a pré-história, tendo passado
por várias etapas e meios, desde as gravuras rupestres até à atual internet (imagem
1).
No final do século XX e no início
do século XXI, as campanhas políticas
começaram
a possuir presença virtual, apesar de esta não ser significativa,
uma vez
que os media tradicionais, nomeadamente a rádio e a televisão,
eram o
ponto central de propaganda eleitoral. Mais recentemente, na segunda década do nosso
século, os posicionamentos políticos, mesmo fora de períodos eleitorais,
tornaram-se cada vez mais comuns nas redes sociais, aproximando a relação entre
candidatos e a população.
Assim, os media online assumiram-se
como um dos principais órgãos informadores da população, desempenhando um papel
estrutural na maioria das faixas etárias.
E, por isso, devemos
questionar-nos também: aliado a esta importância de instruir e conceder
conhecimentos aos cidadãos, seguiu-se o dever de o fazer de forma correta?
Enquanto principal fonte de
informação para os cidadãos, as redes sociais deveriam facultar
toda a informação isenta e imparcial relativa à democracia e à política
governamental. Porém, não é a isso que se tem assistido, já que cada vez mais
os media digitais mostram aos seus utilizadores aquilo que se encontra alinhado
com a visão pessoal de cada um, contribuindo, deste modo, para visões
enviesadas e parciais acerca daquilo que são as questões políticas e
estruturais da sociedade.
Esta bolha (imagem 2), designada
por “microdirecionamento”, isola os cidadãos menos instruídos e com menos
sentido crítico daquilo que é verdadeiramente
a democracia, criando a ilusão de que as suas crenças são as únicas que existem
ou as mais
aceites no seio da sociedade. Tal acontece devido ao facto de que a grande
maioria da informação
apresentada reflete apenas aquilo que são os seus ideais, restringindo, deste
modo, a possibilidade de reflexão e aceitação de outras ideologias.
As pessoas acabam por não ter
todas acesso à mesma informação e podem estar a ser privadas de outra
relevante. Esta bolha parece-se com um círculo: cada cidadão pesquisa conteúdos
relativos às suas crenças e, com base nessas preferências anteriores, só lhe é
apresentada a informação que mais se lhe adequa. Um algoritmo tendencioso e
discriminatório que dificulta a distinção entre o conteúdo político e
informativo.
As fake news e a propaganda política
As fake news começaram
a ganhar relevância porque a informação prolifera-se rapidamente, sendo, ou
não, verdadeira. Promover notícias sensacionalistas e mensagens políticas
distorcidas não é um fenómeno novo. No entanto, obteve um novo, acessível e
barato palco: as redes sociais.
As consequências deste
fenómeno são nefastas para a democracia: para os defensores de ideias mais
polémicas ou extremistas, o algoritmo acima referido é a sua principal arma, uma
vez que manipula a informação e a mente das pessoas, criando e fomentando
fraturas na sociedade e aniquilando a capacidade de diálogo.
Nos media tradicionais, a
propaganda era transmitida em massa, pelo que era mais fácil desmantelar uma
notícia tendenciosa. Atualmente, é comum e simples um partido passar uma
mensagem para um grupo de eleitores e outra oposta para outro, de forma a
captar votos.
Existem, além disso, diversos
partidos, sobretudo de extrema-direita, que utilizam o populismo alicerçado em notícias
falsas ou descontextualizadas para enganar as pessoas, e fazem-no,
primordialmente, nas redes sociais.
Esta situação abrange a
Europa. A força da candidata de extrema-direita Marine Le Pen (imagem 4), em
França, foi conseguida através de campanhas de desinformação. A campanha do
Brexit foi acusada de fraude e uso ilegal de dados no Facebook em seu benefício,
ajudando a eleger Boris Johnson (imagem
5).
O principal exemplo desta estratégia em Portugal é André Ventura,
deputado da Assembleia da República pelo partido político Chega (imagem 6).
Este não apresenta propostas concretas para o futuro do país, mas utiliza
discursos de ódio e factos descontextualizados para, de forma simplificada,
propagar notícias falaciosas e persuadir os mais desinformados e frágeis.
Porém, foi fora da Europa, com
Donald Trump (imagem 7) e Jair Bolsonaro (imagem
8), que o termo fake news foi
mais popularizado. Isto porque a informação falsa proliferou com mais alcance
do que aquela cujo conteúdo era verdadeiro e contribuiu para campanhas de
manipulação que permitiram a vitória destes dois
candidatos nas suas respetivas eleições.
Os donos das redes sociais
Outra relevante questão
prende-se com o facto de as redes sociais serem meios de comunicação e
informação administrados por entidades que visam o lucro (imagem 3) e
que partilham e disponibilizam
informação aos seus utilizadores para beneficiar alguém, para seu próprio
interesse. Consequentemente, a sua imparcialidade apresenta lacunas claras e
evidentes, identificáveis através dos sistemas de bolha, ou até mesmo pela
ausência na interrupção da proliferação das fake news que
apresentam maior impacto.
Medidas implementadas contra
os perigos das redes sociais para a democracia
Todos os países da União
Europeia veem como um problema as fake
news e a informação que distorce a
realidade ou é falsa (gráfico
3).
Até 2019, a ação da União
Europeia contra os perigos da divulgação de fake news e
contra os impactos negativos das redes sociais na democracia restringiu-se à
elaboração de um código de conduta e de algumas campanhas de sensibilização;
porém, e face ao alastramento e agravamento do problema, viu-se obrigada a
desenvolver planos de ação mais estruturados e sustentados e, até, a impor
medidas mais severas para aqueles que tentem de alguma forma distorcer ou
condicionar a informação disponibilizada aos cidadãos através dos media.
A plataforma SOMA (Social Observatory for Disinformation and Social
Media Analysis) e o projeto EDMO
(European Digital Media Observatory) são
financiados pela União Europeia e têm como finalidade a avaliação dos efeitos
socioeconómicos a diversos níveis e o desenvolvimento de estratégias e
concretização de ações destinadas a aumentar a literacia mediática, e o combate
à desinformação, respetivamente. Estas duas iniciativas são respostas claras
ao agravamento dos impactos negativos dos media na democracia.
Além destas iniciativas, a
União Europeia regulamentou duas leis: a Lei dos Serviços Digitais (DSA) e a
Lei dos Mercados Digitais (DMA), sendo que a primeira restringe o poder de
mercado de grandes empresas digitais e a segunda garante a transparência da
internet.
Em suma, as redes sociais, por
mais benéficas que aparentem ser, são um verdadeiro perigo para a democracia.
Não obstante as diversas ações europeias para tentar prevenir as consequências
que estas
repercutem na sociedade, ainda há um longo caminho a percorrer. Tal como
afirmou a eurodeputada Marina Kaljurand: as medidas atuais contra a
desinformação e discursos de ódio são “insuficientes para combater o ataque à
nossa democracia”.
Deixamos aqui o alerta!
Catarina Cordeiro, 11.º I | Miguel
Dinis, 11.º D
Escola Secundária de Domingos Sequeira | LEIRIA